A bagunça que é arrumar a casa
Continuo deixando a bola me acertar logo para sair da queimada mais rápido e ficar à toa, e detestando quando me colocam no papel de café com leite. A minha brincadeira é outra, mais solitária mesmo
Faço 29 anos daqui um mês e meio. Durante boa parte da minha vida, metade dela, mais precisamente, o meu grande drama foi ser aceito. Desde os meus 14 anos eu me recordo de fazer, conscientemente, grandes concessões em busca de pertencimento. Com frequência eu respondi “vamos sim” para programações desinteressantes. Eu disse “não, tá tudo bem” após ouvir comentários que me magoaram. Perdi a conta de quantas vezes eu fingi que gostava de gente que eu não gostava para não tumultuar o grupo. Eu sempre tive medo de ser inconveniente e a consequência disso foi permitir que os outros fossem inconvenientes comigo. Eu achava mesmo que o movimento da vida era esse.
A realidade é que nada disso deu certo e há pelo menos dois anos eu lido com a frustrante sensação de, apesar de tudo, ainda me sentir sozinho com certa frequência. Com a ajuda da terapia e da passagem do tempo eu entendi que bancar aquilo que eu sou e desejo é menos cansativo, mas não menos doloroso. De certa maneira eu finalmente consegui entender que a dor de ser quem eu sou é mais interessante que a dor de tentar agradar os outros em busca de um reconhecimento inexistente.
Faz uns dois anos que eu coloquei os meus tapetes mentais para lavar enquanto usei a vassoura para tirar o pó. Agora os tapetes estão secos e a casa limpa, mas ainda está um pouco bagunçada e eu estou colocando tudo em ordem novamente. Colando tudo em uma nova ordem. Finalmente resolvi encarar um tratamento para minha enxaqueca e está funcionando muito bem. Agora eu não preciso mais me automedicar com mil analgésicos e anti-inflamatórios todas as semanas. Já tem uns meses que não sinto mais dor após viajar, nem no final do dia de trabalho, nem no final do fim de semana por conta da angústia dominical. Eu também parei de beber cerveja ruim em bares ruins no fim da madrugada só para fazer parte.
A verdade é que não foi fácil navegar os últimos anos cutucando tanto as minhas feridas, mas foi necessário. Foi necessário aceitar que eu gosto do Carnaval, mas não tanto. Que eu gosto de festa, mas não tanto. Que eu gosto de bar, mas não tanto. Que eu gosto de gente, mas não de tanta gente ao mesmo tempo. A verdade é que eu não dou conta da viagem de fim de ano em grupo, da casa cheia de gente, da mesa cheia de gente, de ter muitos amigos. Eu gosto mesmo é de ficar em casa fazendo as minhas coisinhas.
A grande ironia é que foi preciso chegar na beira dos 30 para eu entender que ser jovem não é sinônimo de gostar de festa, nem de ser popular, nem de ser da galera, nem de encher a cara, nem de nada. E agora eu sei que não preciso de tanta validação externa, nem de agradar todo mundo, nem de abrir mão de mim para pertencer. E no fundo eu sei que mesmo sendo um pouco frio, mesmo com todas as minhas manias e esquisitices, mesmo não sendo o mais legal do mundo, tem gente que gosta de mim e tem gente de quem eu gosto.
Ahhh, uma última coisa: se você, pessoa que está lendo isso, acha que eu me afastei assim, do nada, saiba que a casa estava em manutenção emergencial e por ser um pouco orgulhoso eu não quis que ninguém visse a bagunça que é arrumar a casa.